Observatório do audiovisual potiguar

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Espacialização, estruturação e mercantilização do audiovisual potiguar

  • Alexsandro Rodrigues Lázaro, Juliana Kaline Almeida, Rebeca de Souza e Janaine Aires

Este artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa “Mercado Audiovisual no Rio Grande do Norte” desenvolvida entre agosto de 2019 e julho de 2020. A proposta buscou elaborar um panorama das relações de produção, de distribuição e de consumo audiovisual. A partir do escopo teórico da Economia Política da Comunicação, a metodologia desenvolveu a coleta e a análise de dados de empresas de realizadores e de produções com o intuito de contemplar a espacialização, a estruturação e a mercantilização da cadeia produtiva do setor. Analisa-se as características gerais de 88 empresas e de 90 produções audiovisuais desenvolvidas na última década, Os resultados da investigação formam o banco de dados do setor que alicerçou a criação do projeto de extensão Observatório do Audiovisual Potiguar. 

Palavras-chave: Mercado audiovisual. Cadeia Produtiva. Economia Política da Comunicação. Audiovisual Potiguar.

Palavraschave: Mercado audiovisual.Cadeia Produtiva.Economia Política da Comunicação.Audiovisual Potiguar.

Publicado na Revista Temática - Abril/2021

A cultura é fundamental para o desenvolvimento social e humano de uma nação e no caso brasileiro, o audiovisual é especialmente importante. O setor tem papel fundamental para a manutenção do fluxo de consumo que alimenta as engrenagens de nossa economia. Todavia, muito além de seu papel econômico, trata-se da principal fonte de entretenimento e de informação do brasileiro e de um locus em que parte do imaginário social se forma.

Nesse sentido, entendemos que as políticas públicas para o audiovisual potencializam não somente uma indústria, sua infraestrutura e seus agentes, mas uma cadeia de ressignificação simbólica de nossa identidade, impulsionando a educação de qualidade, a redução das desigualdades e alimentando o sonho coletivo de uma sociedade plural, sem pobreza e com igualdade de gênero. Por isso, a característica intermitente de nossa cinematografia, marcada por tímidos crescimentos e intensas crises, ou mesmo as marcas da concentração de nossa produção audiovisual, não são problemas econômicos somente, mas uma questão social urgente.

Essas assimetrias precisam ser rompidas e urge que as diferentes regiões acessem e produzam as suas próprias histórias. Não há, no Brasil, um estado em que esta questão esteja bem resolvida. Isto porque, de um lado, o cinema nacional não consegue espaço nas poucas salas de exibição. A aposta conservadora reserva ao nacional brechas que sobram das inúmeras sessões das bilionárias produções americanas. De outro, a concentração da produção audiovisual no eixo Rio de Janeiro – São Paulo, associada à alta importação de conteúdo estrangeiro, reduz ainda mais o acesso da produção audiovisual regional às telas. As assimetrias são globais e locais também.

Nossa pesquisa, busca investigar um cenário em que invisibilidade da produção regional se destaca: o Rio Grande do Norte. Dentre os 167 municípios que formam o estado, apenas dois têm sala de cinema, o que representa pouco mais de 1%. Em 2016, foram produzidas apenas 4 obras audiovisuais não publicitárias veiculadas em circuitos comerciais. Dados mais recentes apontam para um crescimento ainda tímido do emprego formal no setor. Em 2017, a Ancine registrou crescimento de 0,9% para 1,6% entre 2007 e 2015 do emprego formal no setor audiovisual local.

Um ambiente de profundos desafios como este não é uma exclusividade potiguar. O setor audiovisual brasileiro no geral é caracterizado por empresas atomizadas em sua maioria com estrutura familiar, com significativas dificuldades na busca por inovação e por competitividade (IKEDA, 2015, p.62). O mesmo se verifica na radiodifusão, central para cultura audiovisual brasileira, mas que está cada vez mais concentrada nas mãos de políticos e de religiosos, na contramão global (SANTOS, 2015).

Os dados nos levam a sugerir que a produção audiovisual norte-riograndense está orientada sob outras variáveis para além destas apreensíveis através das fontes oficiais. Foi a curiosidade sobre a dinâmica em que o audiovisual local se orienta que nos motivou o desenvolvimento dessa pesquisa: quem produz? como produz? para quem produz o audiovisual potiguar? para onde vamos quando nos tornarmos também realizadores e realizadoras?

Reconhecer os atores e sua dinâmica econômica e política é fundamental para o desenvolvimento de posturas estratégicas que transformem o cenário de concentração e invisibilidade que descrevemos. Tal intuito implicará também na criação de uma metodologia de pesquisa e de análise capaz de ser aplicada em outros arranjos produtivos de estados brasileiros. Nosso escopo teórico está baseado na Economia Política da Comunicação, que para Vincent Mosco (2009), alicerça seu olhar em três pontos iniciais: a espacialização, a estruturação e a mercantilização. É a partir deles que estruturamos este artigo.

 

A Economia Política é a corrente teórica que analisa os fenômenos da comunicação a partir das relações sociais, especialmente as relações de poder, que constituem a produção, a distribuição e o consumo de recursos comunicacionais (MOSCO, 2009). O conceito de indústria cultural é central para o entendimento da cultura em contextos capitalistas (ADORNO, 2009), a partir dele podemos identificar não somente a dinâmica econômica de reprodutibilidade técnica da produção artística massiva, mas sobretudo refletir sobre os impactos sociais de sua instrumentalização e de sua padronização.

Apropriação deste referencial teórico para a análise do caso brasileiro impõe uma série de desafios, já que a indústria cultural de nosso país, apesar de capitalista, é em grande medida subsidiada pelo Estado (SANTOS, 2015, SIMIS, 2015; BAHIA, 2012). A análise, portanto, precisa identificar as especificidades de nossa região provocadas pela dependência da verba pública e o cenário de sazonalidade das receitas dos grupos de produção audiovisuais.

Inicialmente, planejamos considerar como integrantes do setor audiovisual as empresas identificadas em apenas seis atividades econômicas do setor[1]. No entanto, ao consultarmos o Sistema Ancine Digital observamos que estavam registradas na plataforma todas as empresas que indicavam oferecer serviços em atividades diversas da produção audiovisual. O registro e a investigação sobre este universo de empresas nos fornecem caminhos de análise frutíferos e um panorama mais completo. Por isso, optamos por incorporar todas as empresas norte-rio-grandenses que estivessem registradas na Ancine até abril de 2020 em nosso banco de dados.

Conforme já anunciamos, ao todo 88 empresas audiovisuais estão registradas oficialmente no sistema da agência reguladora. Tal fonte não registra as experiências independentes organizadas em coletivos não formalizados institucionalmente, por exemplo. A primeira fase da pesquisa consistiu na identificação e no mapeamento dos empreendimentos. E a segunda fase previa a identificação do modelo de negócios e de organização das produtoras, através de pesquisa de campo. As exigências de isolamento social inviabilizaram as visitas. Por isso, neste artigo analisam-se os resultados da primeira fase de nossa pesquisa que balizaram o processo de investigação subsequente.

Organizamos nosso levantamento em dois bancos de dados. O primeiro cruza os dados da Ancine com os dados da Receita Federal e reúne as informações de identificação (nome fantasia, razão social, CNPJ e data de fundação), de classificação (registro Ancine, atividades declaradas, capital social, porte), de propriedade (sócios) e de comunicação (endereço físico e endereços eletrônicos) de todas as empresas em atuação no estado. Os dados foram compilados e organizados (AIRES; ALMEIDA; DANTAS; FERNANDES; LAZARO; RIBEIRO; SOUZA, 2020a).

Depois deste levantamento, passamos a investigar as produções desenvolvidas por estes empreendimentos, através da identificação das obras no portfólio declarado nas redes sociais e nos sites oficiais. Foi através deste procedimento que montamos nosso segundo banco de dados, neste caso compilando apenas as obras classificadas como “Obras não publicitárias”. Incorporamos ao levantamento também obras citadas em artigos científicos, dissertações e teses sobre a produção audiovisual potiguar. As obras foram organizadas por ano de lançamento e devidamente identificadas a partir do levantamento das seguintes informações: Título; CPB/ROE; Direção; Formato; Episódios (caso obra seriada), Tempo; Tipo; Ficha Técnica; Sinopse; Produtora; Festivais; Prêmios; Cartaz; Link para arquivo completo e/ou trailler (AIRES; ALMEIDA; DANTAS; FERNANDES; LAZARO; RIBEIRO; SOUZA, 2020b). São estes dados que subsidiam a nossa análise neste artigo.  

[1]A saber: Atividades de produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão; Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão; Distribuição cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão; Atividades de exibição cinematográfica; Atividades de Televisão Aberta; Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinatura.

A produção cinematográfica é fundamental para projeção e difusão do audiovisual através de longa-metragem e curta-metragem, entretendo e formando público por meio dos filmes. Mas o setor nacional ainda é instável em suas produções, que muitas vezes não têm os devidos investimentos públicos e privados e, consequentemente, não alcançam seu público. Para entendermos as características gerais da produção cinematográfica no Brasil hoje, temos que fazer uma reflexão sobre seu histórico desde sua formação.

A história do cinema brasileiro é de picos e de declínios, sempre passando por um enfrentamento para sua manutenção e crescimento. O investimento estatal sempre teve um papel central, especialmente em sua fase de implementação inicial. Os interesses de grandes grupos internacionais e da televisão aberta afetaram a independência da produção cinematográfica, conforme destaca Lia Bahia no trecho a seguir:

[…]O Brasil não inseriu a atividade de audiovisual em seu projeto desenvolvimentista porque fazê-lo significa intervir e, para tanto, os grandes interesses do cinema americano e da televisão aberta teriam de ser domesticados e administrados. Constatamos ainda que o cinema brasileiro contemporâneo torna-se dependente da vertente internacional (majors e salas de exibição) para se constituir e se desenvolver. (BAHIA, 2012, p. 188).

 

Assim, segundo a perspectiva de Bahia, sempre existiu uma relação entre estado e a industrialização do cinema no Brasil. Passando por suas fases, podemos considerar que apesar das transições, não se conseguiu estabelecer uma indústria de fato no campo cinematográfico brasileiro. No governo Vargas, foi atribuído ao cinema uma função pedagógica, para a veiculação de valores do nacionalismo, criando-se um público massivo e passivo, característica que corrobora para a indústria cultural, mas que não é suficiente para isso.

O campo cinematográfico ganhou novas configurações através da construção de uma indústria cinematográfica com a consolidação de grandes estúdios e o investimento de capital privado desvinculado do Estado, como Atlântida Cinematográfica. As iniciativas, no entanto, não duraram muito. Já na década de 1960 o cinema se tornou uma questão de Estado novamente, o que foi então percebido como a salvação do cinema brasileiro e principal agente para a concretização da industrialização do setor, mas não tinha o apoio verdadeiro para o desenvolvimento do cinema comercial, e sim novamente uma reprodução de uma ideia nacionalista de educação e de cultura (BAHIA, 2012).

Apesar dos inúmeros avanços, é possível falar que o setor cinematográfico brasileiro ainda não é consolidado, uma vez que as produções são dependentes de investimento do Estado. Quando a realidade do setor é analisada em âmbito regional, a fragilidade ainda é maior. Se no meio nacional o investimento não é prioridade, consequentemente na esfera estadual e municipal o cenário é ainda mais complexo. O panorama do Rio Grande do Norte, nesse sentido, é representativo das condições de produção audiovisual que estão fora do eixo Rio de Janeiro – São Paulo e se baseia especialmente na produção independente (COELHO, 2019).

Através da análise de dados disponíveis no Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, identifica-se que o Rio Grande do Norte está em uma posição critica em relação a quantidade de salas de exibição e produções comercializáveis em comparação aos outros estados do Brasil. Desta forma, é fundamental considerar que a espacialização do mercado local é determinada também pelo conjunto de assimetrias regionais que caracterizam o mercado brasileiro e pelos profundos constrangimentos que o contexto de dependência nacional com relação ao contexto global de hegemonia do mercado norte-americano. A seguir, vamos destrinchar o mercado audiovisual local a partir dos três focos de análise da Economia Política da Comunicação.

Nosso trabalho, buscou identificar especialmente a espacialização das empresas locais considerando, conforme já destacamos, as organizações registradas no sistema Ancine Digital. Esta característica de nossa amostra não nos permitirá identificar os elementos informais do setor, já que não são absorvidos pela fonte oficial.

Segundo a base de dados disponível no site da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), o estado do Rio Grande do Norte conta com 88 empresas do setor audiovisual cadastradas. Na nossa base de dados utilizada para alimentar o mapeamento, cruzamos informações deste Sistema Ancine Digital com dados da Receita Federal e associamos às latitudes e longitudes aos endereços indicados. A partir da geolocalização, buscamos elaborar um mapeamento através Google Maps por ser a ferramenta mais acessível de pesquisa e visualização de mapas.

Como resultado identificamos uma concentração na capital, 72% das empresas têm sede em Natal. Já os 28% (25 empresas) estão localizadas cidades do interior do estado, sendo: 3 em Parnamirim e 1 em São Gonçalo do Amarante, região metropolitana de Natal; 13 no município de Mossoró;  3 em Currais Novos; 2 em Assú; 1 em Areia Branca; 1 em Caicó; e 1 no município São Miguel do Gostoso, conforme destacamos no mapa a seguir (figura 01).

FIGURA 01 – Espacialização das empresas audiovisuais do Rio Grande do Norte

Fonte: Elaboração própria.

 

Das empresas localizadas em Natal, 12,69% não foram localizadas no mapa devido ao não acesso ou erro nas informações de latitude e longitude nas bases oficiais de registro, sendo possível apenas observar que estas operam na capital. Das empresas localizadas na capital do Estado, 58,73% (37 empresas) estão localizadas na região sul; 23,80% (15 empresas) na região leste; na região norte temos 3,17% (2 empresas) e a região oeste conta com 1,58% (1 empresa) de empresas cadastradas na base de dados da Ancine, conforme destacamos no mapa 02.

As características de espacialização do mercado audiovisual potiguar indicam também que 45% das empresas estão localizados em logradouros residenciais, o que corresponde a 40 empreendimentos. Sendo 10 destas empresas localizadas em apartamentos. Este aspecto da espacialização do mercado local reproduz a característica nacional, que destrincharemos mais adiante, denominada como “autoemprego”. A espacialização, portanto, indica um tipo de estruturação ainda rudimentar do mercado local.

FIGURA 02 – Espacialização das empresas audiovisuais em Natal/RN

Fonte: Elaboração própria.

 

Em meio de tantos questionamentos sobre o papel do cinema e os meios em que ele é propagado, investigar como essa arte é aplicada em regiões onde o acesso à cultura é mais difícil é de fundamental importância. No interior do estado do Rio Grande do Norte percebe-se, através dos dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual e da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), que o audiovisual é uma bandeira levantada por poucos gestores da cultura.

Considerando o interior como os 166 que formam o estado e não são capital, somente Mossoró tem sala de cinema, com cinco salas de exibição, que representa 16,12% do total de salas de exibição no Rio Grande do Norte. Embora o cenário seja caótico, existem algumas formas de mobilização que promovem o cinema para a população, são eles: festivais, mostras de filmes, oficinas atuam como experiência de resistência e difusão da cultura audiovisual.

Apesar de observarmos certo crescimento no setor audiovisual do estado, no momento que se compara a outros estados do Brasil, a partir de dados coletados pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, o Rio Grande do Norte está muito longe do ideal no que se refere a quantidade de salas de exibição, as estratégias de fomento e ao investimento público e privado.

Se comparar o Rio Grande do Norte com estados como São Paulo e Rio de Janeiro, a disparidade é gritante. Enquanto temos duas cidades com salas de exibição, quatro empresas exibidoras e 41.122 sessões, o Rio de Janeiro tem 29 cidades com sala de exibição, 20 empresas exibidoras e 480.304 sessões. Já em São Paulo chega a ter 100 cidades com salas de exibição, 31 empresas exibidoras e 1.385.358 sessões, como mostra o painel interativo do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (2019). Ao traçarmos um quadro comparativo da região nordeste é possível observar como o cenário norte-riograndense se posiciona na contramão: o Ceará tem 11 cidades com salas de exibição; a Paraíba com 5 cidades; Maranhão com 7 cidades; Pernambuco com 12 cidades; e Bahia com 15 cidades.  

Por isso, é importante analisar os dados a partir da afirmação de que a falta de investimento na área é um problema histórico e político e que o cinema potiguar sofre as consequências de toda a falta de conhecimento sobre os meios ideais para a propagação da sua cultura. Entender que o cinema vai além do lazer e justificar sua existência como meio de formação da identidade é um passo importante para o desenvolvimento social. Para isso, é fundamental observar o grau d

Nosso trabalho, buscou identificar especialmente a espacialização das empresas locais considerando, conforme já destacamos, as organizações registradas no sistema Ancine Digital. Esta característica de nossa amostra não nos permitirá identificar os elementos informais do setor, já que não são absorvidos pela fonte oficial.

Segundo a base de dados disponível no site da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), o estado do Rio Grande do Norte conta com 88 empresas do setor audiovisual cadastradas. Na nossa base de dados utilizada para alimentar o mapeamento, cruzamos informações deste Sistema Ancine Digital com dados da Receita Federal e associamos às latitudes e longitudes aos endereços indicados. A partir da geolocalização, buscamos elaborar um mapeamento através Google Maps por ser a ferramenta mais acessível de pesquisa e visualização de mapas.

Como resultado identificamos uma concentração na capital, 72% das empresas têm sede em Natal. Já os 28% (25 empresas) estão localizadas cidades do interior do estado, sendo: 3 em Parnamirim e 1 em São Gonçalo do Amarante, região metropolitana de Natal; 13 no município de Mossoró;  3 em Currais Novos; 2 em Assú; 1 em Areia Branca; 1 em Caicó; e 1 no município São Miguel do Gostoso, conforme destacamos no mapa a seguir (figura 01).

FIGURA 01 – Espacialização das empresas audiovisuais do Rio Grande do Norte

Fonte: Elaboração própria.

 

Das empresas localizadas em Natal, 12,69% não foram localizadas no mapa devido ao não acesso ou erro nas informações de latitude e longitude nas bases oficiais de registro, sendo possível apenas observar que estas operam na capital. Das empresas localizadas na capital do Estado, 58,73% (37 empresas) estão localizadas na região sul; 23,80% (15 empresas) na região leste; na região norte temos 3,17% (2 empresas) e a região oeste conta com 1,58% (1 empresa) de empresas cadastradas na base de dados da Ancine, conforme destacamos no mapa 02.

As características de espacialização do mercado audiovisual potiguar indicam também que 45% das empresas estão localizados em logradouros residenciais, o que corresponde a 40 empreendimentos. Sendo 10 destas empresas localizadas em apartamentos. Este aspecto da espacialização do mercado local reproduz a característica nacional, que destrincharemos mais adiante, denominada como “autoemprego”. A espacialização, portanto, indica um tipo de estruturação ainda rudimentar do mercado local.

FIGURA 02 – Espacialização das empresas audiovisuais em Natal/RN

Fonte: Elaboração própria.

 

Em meio de tantos questionamentos sobre o papel do cinema e os meios em que ele é propagado, investigar como essa arte é aplicada em regiões onde o acesso à cultura é mais difícil é de fundamental importância. No interior do estado do Rio Grande do Norte percebe-se, através dos dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual e da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), que o audiovisual é uma bandeira levantada por poucos gestores da cultura.

Considerando o interior como os 166 que formam o estado e não são capital, somente Mossoró tem sala de cinema, com cinco salas de exibição, que representa 16,12% do total de salas de exibição no Rio Grande do Norte. Embora o cenário seja caótico, existem algumas formas de mobilização que promovem o cinema para a população, são eles: festivais, mostras de filmes, oficinas atuam como experiência de resistência e difusão da cultura audiovisual.

Apesar de observarmos certo crescimento no setor audiovisual do estado, no momento que se compara a outros estados do Brasil, a partir de dados coletados pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, o Rio Grande do Norte está muito longe do ideal no que se refere a quantidade de salas de exibição, as estratégias de fomento e ao investimento público e privado.

Se comparar o Rio Grande do Norte com estados como São Paulo e Rio de Janeiro, a disparidade é gritante. Enquanto temos duas cidades com salas de exibição, quatro empresas exibidoras e 41.122 sessões, o Rio de Janeiro tem 29 cidades com sala de exibição, 20 empresas exibidoras e 480.304 sessões. Já em São Paulo chega a ter 100 cidades com salas de exibição, 31 empresas exibidoras e 1.385.358 sessões, como mostra o painel interativo do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (2019). Ao traçarmos um quadro comparativo da região nordeste é possível observar como o cenário norte-riograndense se posiciona na contramão: o Ceará tem 11 cidades com salas de exibição; a Paraíba com 5 cidades; Maranhão com 7 cidades; Pernambuco com 12 cidades; e Bahia com 15 cidades.  

Por isso, é importante analisar os dados a partir da afirmação de que a falta de investimento na área é um problema histórico e político e que o cinema potiguar sofre as consequências de toda a falta de conhecimento sobre os meios ideais para a propagação da sua cultura. Entender que o cinema vai além do lazer e justificar sua existência como meio de formação da identidade é um passo importante para o desenvolvimento social. Para isso, é fundamental observar o grau de desenvolvimento de um setor produtivo no processo de formulação de políticas públicas e mesmo para o estabelecimento de estratégias de cooperação e de concorrência, conforme nos dedicaremos nas seções seguintes.

e desenvolvimento de um setor produtivo no processo de formulação de políticas públicas e mesmo para o estabelecimento de estratégias de cooperação e de concorrência, conforme nos dedicaremos nas seções seguintes.

Apesar das poucas ferramentas de transparência, é possível identificar que o setor audiovisual no Rio Grande do Norte ainda apresenta bastante fragilidade. Uma das variáveis que podem indicar caminhos de análise é o capital social declarado na formalização dos negócios. Trata-se da soma em reais do investimento financeiro no momento de criação de uma empresa por seus proprietários e acionistas. No caso em análise, identificou-se que 42% das empresas do estado, o que corresponde a 34 empresas do universo analisado, têm capital social inferior a 20.000 reais. Esta informação considerando a estrutura mínima de equipamentos, de registros legais e de pessoal necessárias para a instalação de uma empresa no setor indica que é baixíssimo o volume de investimento.

A partir desta informação, é possível traçar uma série de inferências. A primeira é que a maior parte dos empreendimentos neste campo não surgem, portanto, de iniciativas que se motivam pelo lucro, já que não se insere no montante inicial nem mesmo os custos básicos de infraestrutura, como, por exemplo, um computador. A associação destas duas inferências guia nosso raciocínio ao terceiro ponto que é a fragilização também dos vínculos laborais. Considerando que a proximidade entre as personalidades jurídicas e o patrimônio particular dos sócios da empresa pode fragilizar garantias de direitos trabalhistas coletivos. O mapeamento do setor audiovisual brasileiro desenvolvido pela APRO (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais) e pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) indica que o processo de formação das empresas produtoras do conteúdo audiovisual é caracterizado pelo que se denomina como conceito de “autoemprego” (2016, p. 289). Para que possam produzir seus próprios projetos, profissionais do setor criam suas próprias empresas para se auto empregar, de tal forma que as equipes fixas coincidem com o quadro de sócios e suas estratégias de remuneração podem se constituir como rendimentos não tributados, já se originariam da parcela de lucros de sociedade.

A falta de transparência nos dados sobre lucros de entidades privadas impõe sérias dificuldades para pesquisas como a que relatamos aqui. Não é possível conhecer o volume exato de arrecadação anual dos empreendimentos analisados. No entanto, através de um levantamento das informações públicas oferecidas pela receita federal de cada uma das empresas estudadas, constata-se que 80% tem porte de microempresa, o que significa que têm faturamento anual de até R$ 360 mil, 10% são Empresas de Pequeno Porte, isto é, faturam anualmente entre 360 mil e R$ 4,8 milhões. E 10% podem ser classificadas como empresas de médio e grande porte.

No que se refere a mercantilização, observa-se que em geral, as empresas declaram como atividades econômicas serviços amplos no campo do audiovisual, o que pode indicar um baixo nível de especialização. Porém, a partir das atividades econômicas declaradas, é possível observar que a maior parte das empresas, 51 delas o que corresponde a 57%, atendem à atividade econômica de produção de filmes para publicidade, conforme destacamos no quadro 1. 

 

 Quadro 01 – Atividades Econômicas do Audiovisual declaradas pelas Empresas do Rio Grande do Norte

ATIVIDADE ECONÔMICA

EMPRESAS *

PRODUÇÃO DE FILMES PARA PUBLICIDADE

51

ATIVIDADES DE PRODUÇÃO CINEMATOGRÁFICA, DE VÍDEOS E DE PROGRAMAS DE TELEVISÃO NÃO ESPECIFICADOS ANTERIORMENTE

47

ESTÚDIOS CINEMATOGRÁFICOS

30

SERVIÇOS DE MIXAGEM SONORA EM PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

21

PROGRAMADORAS

15

SERVIÇOS DE DUBLAGEM

12

ATIVIDADES DE TELEVISÃO ABERTA

10

ATIVIDADES DE EXIBIÇÃO CINEMATOGRÁFICA

5

OPERADORAS DE TELEVISÃO POR ASSINATURA POR CABO

4

ATIVIDADES RELACIONADAS À TELEVISÃO POR ASSINATURA, EXCETO PROGRAMADORAS

1

OPERADORAS DE TELEVISÃO POR ASSINATURA POR SATÉLITE

1

*As empresas podem registrar diferentes atividades econômicas de um mesmo grupo.

Fonte: Elaboração própria.

 

A partir dos dados dos Certificado de Produto Brasileiro (CPB) e do Certificado de Registro de Título (CRT) da Ancine concedidos para as obras nacionais, é possível identificar a preponderância da produção publicitária. O CPB foi criado em 2004 e é um selo que prova a titularidade da obra audiovisual brasileira. Já o CRT é um documento conclusivo de cadastro em que a obra audiovisual não publicitária e publicitária está habilitada para ser comercializada. Analisando a quantidade e a porcentagem dos CPBs e CRTs emitidos por estado no Brasil, buscamos organizar os dados considerando os CRTs não publicitários como parâmetro para elaborar o ranking de produção audiovisual comercial entre os estados brasileiros. 

Observa-se que a preponderância das produções publicitárias não é uma exclusividade do Rio Grande do Norte, em geral em todos os estados brasileiros a publicidade tem um número maior de registros justamente pela natureza dos produtos e seus regimes de veiculação. No entanto, o número de CRT não publicitário indica a produção audiovisual não publicitária que é comercializada. Uma discrepância entre CPB e CRT não publicitário pode sugerir que as produções audiovisuais são veiculadas em circuitos não comerciais ou não são comercializadas.

A concentração geográfica também se revela nestes dados, já que São Paulo lidera a produção audiovisual brasileira tanto do ponto de vista das obras audiovisuais não publicitárias e das obras audiovisuais publicitárias, seguido pelo Rio de Janeiro. Já o Rio Grande Norte ocupa a 20ª posição considerando as produções audiovisuais não publicitárias comercializadas. Observa-se também que a produção audiovisual comercial de nosso estado supera apenas os estados de Alagoas, Sergipe, Tocantins, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima.

 

Conclusões

Este artigo buscou elaborar um panorama das relações de produção, de distribuição e de consumo do audiovisual norte riograndense, contemplando a espacialização, a mercantilização e a estruturação da cadeia produtiva do setor, construindo como resultado da pesquisa o projeto de extensão Observatório do Audiovisual Potiguar.

Nessa primeira etapa identificamos e mapeamos 88 empresas audiovisuais registradas oficialmente no sistema da Ancine, organizando as informações coletadas em dois bancos de dados. Constatou-se que o mercado audiovisual ainda é bastante fragilizado e dependente de ações de investimento do Estado e com uma concentração de empresas na capital, o que torna a interiorização uma questão a ser desenvolvida. Vale ressaltar que existem ações importantes acontecendo no interior do estado, que promovem oficinas, exibições, mostras, festivais, ainda que em uma quantidade ínfima diante da extensão dos 167 municípios que fazem parte do Rio Grande do Norte.

Segundo os dados coletados percebemos que o setor ainda está em uma fase rudimentar de profissionalização, pois a grande parte das empresas de audiovisual são localizadas em logradouros residenciais, possuem um capital social declarado inferior a 20.000 reais e se encaixam no conceito, segundo a APRO e o SEBRAE, de autoemprego. Pontuamos também que o cenário mercadológico ainda possui uma maioria de sócios e proprietários do gênero masculino. Percebemos que o setor tem grandes questões a serem desenvolvidas e desafios a superar, no entanto existe um empenho dos profissionais envolvidos e um movimento de crescimento notório que revela que o cinema potiguar existe e tem potencial para se tornar uma potente indústria nacional. 

Este artigo buscou elaborar um panorama das relações de produção, de distribuição e de consumo do audiovisual norte riograndense, contemplando a espacialização, a mercantilização e a estruturação da cadeia produtiva do setor, construindo como resultado da pesquisa o projeto de extensão Observatório do Audiovisual Potiguar.

Nessa primeira etapa identificamos e mapeamos 88 empresas audiovisuais registradas oficialmente no sistema da Ancine, organizando as informações coletadas em dois bancos de dados. Constatou-se que o mercado audiovisual ainda é bastante fragilizado e dependente de ações de investimento do Estado e com uma concentração de empresas na capital, o que torna a interiorização uma questão a ser desenvolvida. Vale ressaltar que existem ações importantes acontecendo no interior do estado, que promovem oficinas, exibições, mostras, festivais, ainda que em uma quantidade ínfima diante da extensão dos 167 municípios que fazem parte do Rio Grande do Norte.

Segundo os dados coletados percebemos que o setor ainda está em uma fase rudimentar de profissionalização, pois a grande parte das empresas de audiovisual são localizadas em logradouros residenciais, possuem um capital social declarado inferior a 20.000 reais e se encaixam no conceito, segundo a APRO e o SEBRAE, de autoemprego. Pontuamos também que o cenário mercadológico ainda possui uma maioria de sócios e proprietários do gênero masculino. Percebemos que o setor tem grandes questões a serem desenvolvidas e desafios a superar, no entanto existe um empenho dos profissionais envolvidos e um movimento de crescimento notório que revela que o cinema potiguar existe e tem potencial para se tornar uma potente indústria nacional. 

ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

AIRES, Janaine; ALMEIDA, Juliana; DANTAS, Carla; FERNANDES, Eduardo; LAZARO, Alexssandro; RIBEIRO, Igor; SOUZA, Rebeca. Mercado Audiovisual do Rio Grande do Norte. Banco de dados do Grupo de Pesquisa em Economia Política do Audiovisual. Natal: 2020a.

__________________. Made in Rio Grande do Norte: catalogação digital da produção audiovisual potiguar. Banco de dados do Grupo de Pesquisa em Economia Política do Audiovisual. Natal: 2020b.

ANCINE. Emprego no setor audiovisual – Estudo anual 2017 (ano base 2015). Rio de Janeiro: Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, 2017. Disponível em: https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/emprego_no_setor_audiovisual.pdf Acessado em 14 de mar de 2019 

APRO E SEBRAE. Mapeamento e impacto econômico do setor audiovisual no brasil. 2016. Disponível em:< https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/b09ddeb1b21ee94db5de582a7f813eb4/$File/7471.pdf> Acessado em 14 de abril de 2020.  

BAHIA, Lia. Discursos, políticas e ações: processos de industrialização do campo cinematográfico brasileiro. São Paulo: Itaú cultural: Iluminuras, 2012.

_______________. Cartografia do audiovisual no Rio Grande no Norte: Experiências emergentes da produção e circulação de obras audiovisuais independentes. 2019. Dissertação de Mestrado – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

IKEDA, Marcelo. As leis de incentivo e a política cinematográfica no Brasil a partir da “retomada”. Revista Eptic. Vol. 17, nº 3, setembro-dezembro 2015

MOSCO, Vincent. La economia política de la comunicación. Barcelona: Bosch, 2009.

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SANTOS, Suzy dos. Convergência Divergente: a tv aberta na contramão global. João Pessoa: Editora Xeroca, 2015.

SIMIS, Anita. Estado e Cinema no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

COMO CITAR: RODRIGUES, Alexsandro Lázaro; ALMEIDA, Juliana Kaline; SOUZA, Rebeca de; AIRES, Janaine. Espacialização, estruturação e mercantilização do audiovisual potiguar. Revista Temática – Revista Eletrônica de Publicação mensal. V7, p. 201-216, 2021.