Observatório do audiovisual potiguar

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Câmera na mão, mulheres-cabeça: participação feminina no audiovisual potiguar

Carla Mariane Dantas e Janaine Aires

Este artigo apresenta os resultados de uma etapa da pesquisa “Gênero, raça e poder no Audiovisual do Rio Grande do Norte” desenvolvida entre os meses de abril de 2020 a agosto de 2021. A proposta buscou elaborar um breve panorama do perfil das mulheres realizadoras que desenvolveram projetos durante o período pandêmico. A partir do escopo teórico de autoras que apresentam pesquisas na área, como Ana Maria Conceição Veloso (2013), a metodologia se desenvolveu através de entrevistas via formulários on-line. Identificamos 9 mulheres residentes no RN na direção de projetos audiovisuais, dessas 6 somaram à pesquisa. Os resultados da investigação auxiliam no entendimento da participação feminina no setor e possibilitam lançar reflexões sobre a atuação profissional da mulher. 

PALAVRAS-CHAVE: Gênero; Audiovisual Potiguar; Mercado de Trabalho; Pandemia.

 

Publicado nos Anais do 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2021.

O presente trabalho propõe-se a investigar a participação feminina dentro do mercado audiovisual, tendo como recorte projetos de curta-metragem em fases distintas de produção, realizados por mulheres residentes em Natal-RN. O objetivo é compreender como elas percorreram o caminho de protagonistas de seus projetos e quais percursos traçaram para tal, no atual contexto pandêmico, aprofundando uma análise sobre gênero e raça no mercado local.

Para tanto, realizamos a priori uma construção do arcabouço teórico com base em bibliografias voltadas à temática, com contribuição de Ana Maria da Conceição Veloso (2013) trazendo um panorama global sobre a atuação feminina em comunicação presentes em 11 países. No âmbito local, as pesquisas de Diana Coelho (2019) e Rafaela Bernardazzi e Vanessa Trigueiro (2020) ofertaram um amplo entendimento sobre a participação feminina no audiovisual no Rio Grande do Norte.  

Como procedimento metodológico, buscamos através das redes sociais e por meio de profissionais da área, identificar quais mulheres estavam com projetos recentes, seja em qualquer fase de desenvolvimento, para assim entrar em contato e realizar entrevistas através de formulário on-line com as realizadoras. Utilizamos perguntas abertas e afirmações baseadas na escala Likert, que medem o grau de concordância ou discordância. A presente pesquisa busca contribuir para a expansão do conhecimento sobre a atuação das mulheres no cargo de direção dentro da realidade potiguar, direcionando o olhar para as questões de gênero, raça e poder.

A participação feminina de forma mais igualitária socialmente é uma questão desde o início do século XX com o surgimento do Movimento Feminista, que nesse momento histórico prioritariamente exigia o direito ao voto e o acesso à educação, até então privilégios do gênero masculino. Já na segunda onda do Movimento entre as décadas de 1960 e 1970, a denúncia sobre o machismo e o patriarcado como uma patologia estrutural da sociedade ganha espaço e o movimento feminista reivindica a retirada da mulher desse lugar de subalternidade e sujeição ao domínio masculino. Na década de 1980, levanta-se a terceira onda feminista com pautas voltadas à pluralidade do ser feminino e ao feminismo negro. Na atualidade, pesquisadoras, como a ensaísta e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda (2018), consideram que estamos vivendo a transição para o que seria a quarta onda, com muitos movimentos paralelos, amplo acesso a informações e questionamento da representação da mulher nas mídias.

Diante desse histórico contínuo de reivindicações e busca por uma ampla compreensão das questões que atravessam as mulheres em diferentes setores e esferas, é possível observar alguns avanços, como o acesso à educação, a possibilidade de organização coletiva e a participação no mercado de trabalho, especificamente essa é uma pauta pertinente e de importante análise para o entendimento social.

Ana Maria da Conceição Veloso (2013), em sua tese intitulada “Gênero, poder e resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países”, nos revela a situação dentro do campo jornalístico, segundo sua pesquisa existe uma supremacia numérica masculina que impede que as portas se abram para mulheres:

A participação feminina na indústria do jornalismo é atravessada por sérios bloqueios que os sistemas sociais historicamente estruturados e culturalmente estruturadores da ordem androcêntrica vigente, como o machismo e o patriarcado, impõem a atuação das mulheres como protagonistas nesses espaços de produção simbólica. (VELOSO, 2013, p.52)

A pesquisa de Veloso – cuja amostra investiga 11 países, a saber: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Espanha, Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Itália e México – aponta para um número superior de homens ocupando cargos de poder dentro de prestige papers, no Brasil, por exemplo, o quantitativo de homens é de 64% e o de mulheres 36%, esse resultado demonstra que as mulheres mesmo tendo avançado em suas conquistas ainda são minoria em cargos de alta responsabilidade. O que revela uma ausência de visões diversificadas em pautas abordadas pela mídia, que assim reforça uma transmissão e uma reprodução de conteúdos com ideologias patriarcais e machistas. Veloso (2013) conclui sua tese afirmando a importância do movimento feminista para a inserção das mulheres no mercado de trabalho e o quanto é relevante a apropriação dos meios de comunicação para a construção de uma sociedade mais igualitária.

Lançando o olhar para a realidade potiguar dentro da área de comunicação, mas agora especificamente do campo cinematográfico temos o trabalho de conclusão de curso da Geniluce Lais de Paula Araújo (2016), intitulado “A cara do cinema potiguar” a autora apresenta dados bem definidos de quem, em termos de gênero, ocupa os cargos de direção e de roteiro na cena audiovisual local.  Fazendo o seguinte recorte:

Para tanto, o escopo estabelecido foi de comparação da quantidade de homens e mulheres graduados em Comunicação Social na UFRN entre janeiro de 2014 e outubro de 2016 em comparação com a quantidade de homens e mulheres que, também no RN, durante mesmo período, exerceram funções essenciais para a realização de qualquer produção audiovisual: direção e roteiro. (ARAÚJO, 2016, p. 36)

 

Nesta pesquisa, observa-se que a formação universitária tem papel importante para entender as disparidades entre os gêneros. Embora a porcentagem de formados em Comunicação Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte entre os anos de 2014 a 2016, seja de 57% de mulheres e 43% de homens, o que revelaria a maioria de profissionais capacitados que entram para o mercado de trabalho eram mulheres, ao chegar no mercado de trabalho as profissionais não conquistam os mesmos espaços. Dentre o universo de 55 filmes analisados, 77% dos diretores são homens e 23% são mulheres, 81% dos roteiristas são homens e 19% das roteiristas são mulheres. A questão de gênero, neste sentido, afeta diretamente a inserção profissional feminina (ARAÚJO, 2016, p. 41).

Segundo pesquisa da Superintendência de Análise de Mercado sob a coordenação do Observatório do Cinema e do Audiovisual (OCA) disponibilizados pela Agência Nacional de Cinema, datada de novembro de 2017, a pesquisadora Débora Ivanov, diante do banco de dados de 2.583 obras dos segmentos entre tv paga, salas de cinema, tv aberta e outros mercados contribui para um entendimento sobre a presença da mulher no mercado audiovisual nacional. Ao avançar no estudo pesquisado, contemplamos números que mostram porcentagens da ocupação feminina em diferentes cargos e estilos.

            Em uma participação geral, 17% das mulheres ocupam o cargo de direção, 21% roteiro, 41% produção executiva, 8% fotografia e 58% direção de arte. Tanto em curta-metragens como em longas, as mulheres estão mais presentes na produção executiva e em maior número na direção de arte. Interessante nessa pesquisa são as ações propostas pela Ancine com intuito de propor um campo mais igualitário, tais como: 1) paridade de gênero nas comissões de seleção do FSA; 2) inclusão de representante negro; 3) informações mais detalhadas no registro das obras, tais como: declaração do gênero dos profissionais, mais detalhes de equipe obrigatórios, avanço para novas funções; 4) implantação do teste de Bechdel, que consiste em lançar o questionamento se na obra ficcional existe duas mulheres que tenham nomes, que conversam entre si e o assunto não é sobre homens; 5) inclusão da pauta no planejamento estratégico da Ancine; 6) pesquisa sobre a presença negra no audiovisual brasileiro; 7) formação de comissão diversidade na Ancine e 8) parceria com a ONU Mulheres.

            Até o presente momento a pesquisa mais recente específica sobre a temática aqui tratada disponibilizada no site do OCA é datada de 2018, e os dados continuam apontando as mesmas estatísticas do ano anterior, mostrando assim uma estabilidade na participação da mulher no audiovisual, com a participação feminina sendo menor nos cargos de direção e fotografia.

Trazendo o olhar para a realidade do Rio Grande do Norte, como fonte de pesquisa nos concentramos em duas pesquisas que abordam o tema gênero, o artigo das autoras Rafaela Bernardazzi e Vanessa Paula Trigueiro (2020) intitulado: “Mulheres no cinema potiguar, a atuação das profissionais no set de filmagem” e a dissertação de Diana Coelho (2019), “Cartografia do audiovisual: experiências emergentes na produção e circulação de obras audiovisuais independentes (2010-2018)”.       No ano de 2020 é lançada em formato digital a segunda edição do Claquete Potiguar, histórias e processos do audiovisual no Rio Grande do Norte com a organização de Adriano Cruz, Cida Ramos e Dênia Cruz, a obra conta com 10 artigos, que compartilham olhares sobre a cena do estado.

Contribuindo para a presente pesquisa, o texto de Berdarnazzi e Trigueiro (2020) se concentra em destrinchar a participação feminina na formação das equipes técnicas das produções audiovisuais do Rio Grande do Norte, entre 2017 e 2019 que foram exibidas em cinco festivais, a saber: Cine Verão – Festival de Cinema da Cidade do Sol, Burburinho Festival de Artes, Goiamum Audiovisual, Mostra de Cinema de Gostoso e Curta Caicó Festival de Cinema.

            Com o universo de 57 fichas técnicas analisadas, constata-se que 67% das obras foram dirigidas por homens, 28% por mulheres e 5% com codireção entre homens e mulheres. Assim como no relatório da Ancine, aqui também foi identificado que as áreas de produção e direção de arte são as mais ocupadas por mulheres, enquanto os homens são maioria nas funções mais técnicas, ocorrendo maior disparidade nos setores de fotografia, som e pós-produção, conforme observa-se no gráfico 1.

Gráfico 1 – Atuação dos/as profissionais por função

Fonte: Berdarnazzi/Trigueiro (2020).

            Com a interpretação dos dados coletados, as pesquisadoras chegaram ao entendimento que existe uma diferenciação de gênero na composição da equipe quando a direção é masculina e quando é feminina como afirmam no trecho a seguir:

Em filmes dirigidos por homens, os profissionais homens ocupam 456  funções técnicas, enquanto 140 são ocupadas por mulheres. Já nos filmes dirigidos por mulheres, o total é de 165 funções ocupadas por profissionais  mulheres e 138 por homens. Percebe-se aqui que, em obras dirigidas por mulheres, há um equilíbrio numérico em relação ao gênero dos profissionais da  equipe técnica. No entanto, em produções dirigidas por homens, há uma discrepância nesses valores e o número de participação de profissionais homens  na equipe técnica é muito superior ao número de profissionais mulheres. (BERNARDAZZI, TRIGUEIRO, 2020, p. 47)

            Compreende-se que os homens são a maioria a ocupar as principais funções em obras audiovisuais na realidade nacional e norteriograndense, sendo as áreas de direção de arte e produção preponderantemente ocupadas por mulheres. A pesquisa mostra que existe uma busca por equidade de gênero, ainda em passos lentos, mas avançando.

            Já Diana Coelho (2019) desenvolveu pesquisa sobre obras de curta, média e longa metragem, exibidos em festivais e mostras competitivas realizadas no Estado no período de 2010 a 2018. Com uma extensa pesquisa a autora conseguiu lançar uma reflexão sobre o perfil da direção das obras no que se refere a gênero, raça e grau de escolaridade, as conclusões apontaram que há uma prevalência de homens cisgênero com 72%, sendo seguida por mulheres cis com 26%, tendo identificado 1% transgênero e 1% não-binário. Os diretores brancos são 53,3%, pardos 30%, pretos 10% e amarelos 2,2%, apresentando também não declarados com 3,3% e outros com 1,1%. No que se refere à escolaridade, a pesquisa aponta para os seguintes dados: realizadores com pós-graduação são 43,3%, seguidos dos com ensino superior completo 33,3%, ensino superior incompleto 13,3% e com ensino médio 10%. (COELHO, 2019, p. 47). Percebe-se uma amplitude maior na compreensão da questão do gênero, incluindo as nomenclaturas cis, transgênero e não-binário, bem como a raça, branco, pardo, preto e amarelo. O que está posto, mais uma vez, é o perfil de direção masculina, branca e com alto nível de escolaridade.

Para a presente pesquisa decidimos traçar uma estratégia em que fosse possível coletar dados de uma forma on-line e segura, pois a situação pandêmica segue preocupante. Para tanto, lançamos o olhar nas mídias e redes sociais, tais como instagram, grupos no facebook e grupos específicos no whatsapp para encontrar quais realizadoras femininas estariam desenvolvendo projetos audiovisuais na atualidade. Seguimos questionando aos profissionais do setor e buscando diretoras com projetos que pudessem estar em distintas fases de desenvolvimento.

Paralelamente, o questionário foi sendo elaborado, criado na plataforma de formulários do google. O questionário pode ser dividido em quatro seções, conforme apresentamos na Tabela 01, a saber: 1) Identificação: com dados sobre as voluntárias; 2) Identificação da produção: questões relacionadas ao projeto desenvolvido; 3) Questões subjetivas que buscou compreender a visão das participantes quanto à motivação de trabalho no contexto pandêmico, aos critérios de escolha da equipe e a jornada de trabalho; 4) Questões opinativas: 6 assertivas que deviam ser consideradas através da proposta da escala Likert, na qual a entrevistada é convidada diante de uma afirmativa demonstrar seu grau de concordância ou discordância com a questão.

 

TABELA 01 – Detalhamento do Questionário aplicado

Seção

Questão

Identificação

E-mail

Nome

Gênero (Mulher cisgênero; Homem cisgênero; Transgênero; Não-binário; Prefiro não declarar)

Raça (Branca, parda, preta, amarela, prefiro não declarar)

Breve Currículo

Identificação da produção

Nome do projeto desenvolvido durante a pandemia

Sinopse

Equipe técnica da obra

Fase de produção (Pré-produção; produção, pós-produção e circulação)

Fonte financiadora (Público, privado e autofinanciado)

Questões subjetivas

Compartilhe os maiores desafios em realizar a obra no momento pandêmico

Quais suas motivações em realizar o projeto?

O fator gênero influenciou na escolha da equipe?

Precisa dividir seu tempo com mais de uma jornada de trabalho. Se sim, quais?

Questões opinativas

Eu já participei de projetos audiovisuais nos quais recebi valores mais baixos, pelos mesmos serviços prestados que um profissional homem.

Acredito que no audiovisual existe igualdade entre os gêneros.

Entendo ser natural e compreensível que uma mulher priorize o bem estar da sua família, em detrimento de sua carreira profissional.

Homens são mais capacitados para ocupar os cargos técnicos em um projeto audiovisual.

As mulheres são plenamente capazes de exercer qualquer função dentro de um projeto audiovisual.

Sinto mais segurança e confiança quando um homem esta na direção de uma obra audiovisual.

Fonte: Elaboração própria.

Isso posto, encontramos 9 mulheres residentes em Natal-RN que produziram ou estão em processo de produção de obras audiovisuais durante a pandemia, entramos em contato com todas, enviando o questionário e explicando sobre a presente pesquisa, uma ignorou nossas mensagens e outras duas alegaram não ter tempo para responder, sendo assim obtivemos respostas de 6 realizadoras.

O questionário tem início buscando entender como as entrevistadas se identificam em relação ao gênero e raça, 100% se identificam como mulheres cisgênero, 66,7% brancas, 16,7% preta e 16,7% preferiu não declarar. Todas as entrevistadas têm formação superior, sendo três em Comunicação Social, duas com habilitação em jornalismo e outra em audiovisual. Todas têm experiência na área, seja com produções audiovisuais, a escrita de críticas sobre filmes, curadoria e elaboração de animações.

            Com relação aos projetos, temos 50% em fase de produção, 33,3% em pós-produção e 16,7% em circulação. Duas das entrevistadas realizaram dois projetos durante o período da pandemia. Com distintas motivações para seguir produzindo, desde desenvolver portfólio na área, a fomentar e registrar lugares históricos em Natal, a responder a um amigo via audiovisual, inquietudes da pandemia e afetividade por territórios, sexualidade, relações de gênero até simplesmente produzir.

            No que se trata de fonte financiadora, observamos que 50% dos projetos são viabilizados por fonte pública, 33,3% autofinanciado e 16,7% de fonte privada. Aqui vale salientar a importância do investimento público no setor através da Lei Aldir Blanc, que possibilitou a realização de dois dos presentes projetos referidos nesta pesquisa, bem como do Edital de Fomento a Cultura Potiguar, lançado pela Fundação José Augusto, que possibilitou a produção de um dos projetos. Mesmo em um contexto social, político e econômico altamente fragilizado, ainda dois projetos conseguiram se autofinanciar e um que teve aporte privado, vindo de uma empresa que lançou edital pré-pandemia.

            Quando pensamos em desafios para produzir um filme, uma série de questionamentos e angústias surgem, ainda mais em tempos incertos e duvidosos politicamente, quanto mais vivendo uma realidade envolta de restrições e limitações devido a uma pandemia que parece não ter fim. Os maiores desafios compartilhados pelas entrevistadas foram em torno das contenções e adaptações necessárias devido a precaução ao Covid19, desde necessidade de reduzir a equipe, a mudanças no roteiro original, remanejamento de orçamento e o próprio financiamento de projetos. Uma das realizadoras entrevistadas relata que, o receio do vírus e as medidas de segurança afetaram o desenvolvimento da obra em termos criativos e práticos:

 Um dos processos considerados mais importantes para mim sofreu modificações que afetaram bastante a relação do elenco com a obra, uma vez que não pudemos imergir na preparação a partir das vivências demandadas pela própria estória. E, mesmo com as adaptações, o sentimento de que, a qualquer momento, tudo poderia desandar (com algum adoecimento, por exemplo) ficou bastante intensificado. (Entrevistada 3, julho de 2021, on-line)

            Ao serem questionadas se o fator gênero influenciou na escolha da equipe, tivemos duas respostas negativas e quatro positivas. Uma afirmou que só recorre a profissionais homens quando não encontra mulheres disponíveis para o trabalho e outra colocou que nesse projeto que desenvolveu, sendo o elenco em sua totalidade composto por mulheres, contendo no roteiro cenas de nudez era uma prioridade para a diretora que a direção de fotografia também fosse feminina.

            É uma questão importante o modo como organizamos o nosso tempo, há quem possa viver bem com um vínculo empregatício, mas para a maioria das mulheres brasileiras, segundo pesquisa do IBGE divulgada em março do corrente ano, a realidade feminina é fazer dupla jornada de trabalho e ainda ter uma remuneração inferior à dos homens. No caso, desta pesquisa identificamos que duas entrevistadas não precisam fazer mais de uma jornada de trabalho, diferente das outras quatro, que dividem seu tempo entre trabalhos fixos em horário comercial, trabalhos em produtoras, como jornalistas e artista independente.

 Entramos na parte final do questionário na qual, optamos por realizar afirmações e lançar escalas de concordância ou discordância, segundo o método da Escala Likert. Assim, diante de 6 frases afirmativas obtivemos os seguintes resultados: 50% das entrevistadas responderam como indiferente a afirmação que trata sobre trabalhar em um projeto audiovisual recebendo valores mais baixos, por um mesmo serviço que um homem; 16,7% concorda, 16,7% discorda totalmente e 16,7% acredita que não.

Na afirmação que fala sobre existir igualdade entre os gêneros no audiovisual, temos 50% discordando totalmente, 33,3% discordam e 16,7% concorda. Afirmando que os homens são mais capacitados para ocupar cargos técnicos temos 83,3% discordam totalmente e 16,7% discorda. As mulheres são plenamente capazes de exercer qualquer função em um projeto: 83,3% concordam totalmente e 16,7% concordam. Sobre sentir mais confiança e segurança sendo um homem na direção de um filme, temos 50% discordam totalmente, 33,3% indiferente e 16,7% discordam.

O gráfico com resultado mais diversificado foi diante da afirmação de que é natural e compreensível que uma mulher priorize o bem-estar da sua família, em detrimento de sua carreira profissional, como segue:  

Gráfico 2 – Reposta à questão “Entendo ser natural e compreensível que uma mulher priorize o bem-estar de sua família em detrimento de sua carreira profissional”

Fonte: Elaboração própria.

A partir dos dados coletados conseguimos perceber um possível perfil das realizadoras potiguares, a começar pelo número pequeno de mulheres que conseguimos registrar, provavelmente em um outro contexto poderíamos encontrar mais pessoas engajadas em dirigir seu projeto e disponível para somar a pesquisa. O que percebemos é a predominância de mulheres cisgêneros, brancas e com formação superior.

            Nota-se a importância das ações públicas em lançar e pagar editais para o fomento do setor, e que mesmo com circunstância desfavorável ainda pessoas se organizam e realizam seus projetos, o que entendemos estar longe do ideal, pois o potencial mercadológico do audiovisual é enorme e potente, tendo investimentos contínuos é possível manter um setor aquecido e sustentável.

            Vale salientar o quanto a pandemia influenciou na vida de todos, no caso das entrevistadas o quanto foi desafiador ir a campo diante de tantas restrições e conseguir se adaptar para desenvolver da forma mais segura e plausível os projetos propostos. Com motivações distintas, entendemos que cada uma tem seu recorte sobre as situações da vida e interesses sobre assuntos que lhe tocam, seja angústias pessoais, inclinações históricas e investimento em portfólio de trabalho.

            A questão de gênero é um aspecto relevante quando se trata da escolha da equipe, para a maioria das entrevistadas, apesar disso percebemos que ainda é um ponto a desenvolver, talvez com o aumento de mulheres capacitadas para trabalhar em diversos cargos e funções no audiovisual, poderemos contemplar uma maior diversidade nas fichas técnicas.

            Segundo os dados aferidos, a maioria concorda que as mulheres são plenamente capazes de ocupar qualquer cargo que desejar, e que no audiovisual ainda não existe um cenário com igualdade de gêneros. A temática família e vida profissional parece ser ainda um ponto passível de debate e maior reflexão, entendemos que existem inúmeros caminhos e infinitas possibilidades de escolhas, o que é necessário existir é um espaço de equidade de oportunidades, reflexão e debate para ampliar o entendimento. 

ANCINE. Presença feminina no audiovisual brasileiro. 2017 Disponível em:< https://www.gov.br/ancine/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/apresentacoes/presenca-feminina-no-audiovisual-brasileiro-2> Acessado em 12 de agosto de 2021.

ARAÚJO, Geniluce Laís de Paula. A cara do cinema potiguar. Monografia (Graduação em Comunicação Social – Radialismo) – Departamento de Comunicação Social, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016

BERNARDAZZI, Rafaela; TRIGUEIRO. Vanessa. Mulheres no cinema potiguar, a atuação das profissionais no set de filmagem. In: CRUZ, Adriano; CRUZ, Dênia; RAMOS, Cida. Claquete Potiguar II – Histórias e processos do Audiovisual no Rio Grande do Norte. Porto Alegre : Editora Casa letras, 2020.

COELHO, Diana Xavier. Cartografia do audiovisual no Rio Grande do Norte: experiênciasemergentes na produção e circulação de obras audiovisuais independentes (2010 – 2018). Dissertação (Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

VELOSO, Ana Maria da Conceição. Gênero, Poder e Resistência: as mulheres nas indústrias culturais em 11 países / Ana Maria da Conceição Veloso. – Recife: O Autor, 2013.

COMO CITAR: DANTAS, Carla Mariane; AIRES, Janaine. Câmera na mão, mulheres-cabeça: participação feminina no audiovisual potiguar. In: Anais do 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 4 a 9 de outubro de 2021. E [recurso eletrônico]: Comunicação e resistência: práticas de liberdade para a cidadania/ organizado por Giovandro Marcus Ferreira,  Maria do Carmo Silva Barbosa e Juliano Domingues da Silva. [Realização Intercom e Unicap] – São Paulo: Intercom, 2021.