Observatório do audiovisual potiguar

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A 11ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso, realizada em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte, destacou-se não apenas pela diversidade de obras exibidas, mas também pela presença significativa de animações na programação. O evento, que é um dos mais relevantes do circuito de difusão audiovisual no Brasil, ocorreu com grande participação do público e reforçou a importância da animação como linguagem artística e cultural no cenário audiovisual nacional.

Além de movimentar a economia local por meio do turismo, a Mostra contribui para o desenvolvimento socioeconômico da região ao incentivar iniciativas como o trabalho do Coletivo Nós do Audiovisual, voltado à formação e produção audiovisual com jovens da cidade. A presença de animações neste contexto amplia o repertório do público e promove o contato com diferentes formas de expressão, fortalecendo o papel da Mostra como espaço de formação cultural. Neste texto, refletimos sobre a inserção das animações na 11ª edição da Mostra de Cinema de Gostoso, destacando sua relevância para o cenário audiovisual brasileiro e sua capacidade de dialogar com diferentes públicos e territórios.

Na 11° edição da mostra, realizada entre o dia 22 de novembro de 2024 até o dia 26, foram exibidos 10 longas-metragens e 18 curtas-metragens, de maneira que buscavam criar uma programação de filmes diversificada, dentre eles filmes de ficção, documentários e animações, os quais este texto visa investigar. Dos 18 curtas-metragens da sua 11° edição, 2 são animações. Sendo uma exibida na Mostra Competitiva e outra na Mostra Panorama, que possuem suas características singulares pensadas cuidadosamente pela curadoria de acordo com um padrão temático ou de viés social a cada exibição.

Do Intimista ao Popular: Formas de Representações Culturais Brasileiras nas Animações

A Menina e o Pote (2024), dirigido e produzido por Valentina Homem, foi exibido como parte da Mostra Panorama, em uma exibição que buscava trazer novos olhares e aprofundar conversas sobre a linguagem cinematográfica, que se encaixa muito bem com o tema e técnicas utilizadas na animação. Com elementos indígenas Baniwa e Yanomami, a animação retrata características de um ritual de iniciação Baniwa masculino, mas vivenciado por uma menina que decide quebrar um pote para descobrir o desconhecido do mundo o qual ela habita. A quebra do pote nesse sentido, abre espaço para que a garota descubra o mundo ao seu redor, mas também a si mesma, revelando questões que se relacionam ao feminino e a questões intimistas relacionadas à diretora do curta.

A Menina e o Pote: as diversas técnicas de animação utilizadas no curta dialogam com os sentimentos e experiências vividas pela protagonista. Créditos da imagem: Frame retirado de A Menina e o Pote (2024).

Valentina Homem utilizou diversas técnicas, como pintura sobre o vidro, aquarela ou pintura acrílica com tons terrosos, representativos do barro que se relacionam a olaria do pote, ou até mesmo um mundo devastado, que é um resultado da não preservação da natureza, qual também é retratada juntamente a percepção de uma mitologia cosmológica que se relaciona com os povos Baniwa e Yanomami. Conforme a personagem descobre a si mesma e as possibilidades do mundo ao seu redor, onde a natureza viva tem uma forte presença, a animação ganha cores e diferentes cenários que provêm de um imaginário mitológico. A tinta nesse sentido utilizada para a animação, cuidadosamente demonstra a transformação da garota e do mundo ao seu redor.

Enquanto A Menina e o Pote possui caráter mais intimista e experimental, o segundo curta exibido na mostra, Hoje Eu Só Volto Amanhã (2024) de Diego Lacerda, vencedor do prêmio de melhor curta-metragem do Júri Popular e do prêmio da Imprensa na Mostra, leva o espectador diretamente para o carnaval de Olinda, onde de forma cômica, acompanhará Marina, uma foliã que viverá típicos acontecimentos de carnaval pelo ponto de vista de diversas pessoas presentes no festejo. Com um cuidado especial acerca da equipe produtora da animação, a produção conta com uma equipe multidisciplinar de animadores, ilustradores, riggers, modeladores, artistas de luz e textura, atores de voz, produtores, designers de som e especialmente 10 diretores, de diferentes países ou estados brasileiros, com o intuito de representar como cada diretor enxerga o carnaval de Olinda.

Os 10 diferentes pontos de vista da animação contam com diversas técnicas, como animação 2D, 3D, rotoscopia, guache pintado a mão, além dos desenvolvidos por especialistas em acting cômico e jogos de tabuleiro. Essa grande diversidade de técnicas deve-se aos profissionais dedicados a criar esse trabalho juntos: o carioca Luan Hilton, as francesas Carole Favier e Juliette Perrey, o russo Yuri Shmakov, a mineira Giovanna Guimarães, o catarinense Gabriel de Moura, o brasiliense Rubens Caetano e os recifenses Diego Lacerda, Marcelo Vaz e Raul Souza.

Cenas de Hoje Eu Só Volto Amanhã. Créditos: Benfeitoria – Hoje Eu Só Volto Amanhã.

Hoje Eu Só Volto Amanhã parte de uma premissa simples: a felicidade de um povo comemorando uma festa, mas ele vai além disso quando torna-se uma homenagem ao grande evento brasileiro que é o carnaval de Olinda. Produzido durante a pandemia da COVID-19, o curta explora as significações culturais do Brasil em um momento em que os elementos culturais do país estavam sendo desvalorizados. A obra observa como cada pessoa pode vivenciar de forma distinta o carnaval de Olinda, revelando, em todas elas, aspectos positivos da cultura brasileira, tão rica e diversa em suas múltiplas expressões. O filme parte de uma abordagem centrada na felicidade da população e na riqueza cultural do país, promovendo uma fusão entre dois importantes elementos culturais: a animação e o carnaval.

Panorama recente e futuras expectativas para a exibição de animações na mostra

Para observar a presença de curtas e longas de animação nas últimas edições da Mostra de Cinema de Gostoso, traçamos um panorama da quantidade de obras do gênero exibidas entre os anos de 2019 e 2024. Até a 6ª edição, realizada em 2019, a Mostra contava com uma sessão específica voltada ao público infantil, a Mostra Infantil, que apresentava diversas animações. Nesta edição, por exemplo, foram exibidos Os Chocolix (2018), de Elizabeth Mendes, e Macaco Albino: Siso (2019), de Leandro Robles.

A partir da 7ª edição, em 2020, a presença de animações na programação diminuiu significativamente, com um hiato que só foi parcialmente interrompido na 9ª edição (2022), quando apenas uma animação foi exibida: A Cabaça da Criação (2022), de Gil Leal, Altemir Avilis e Ramon Bezerra. Após essa breve retomada, as animações voltaram a integrar a programação apenas na 11ª edição, em 2024, ocupando as duas programações da Mostra: a Mostra Panorama e a Mostra Competitiva.

Tabela 1: Tabela quantitativa das animações exibidas nas últimas edições da Mostra de Cinema de Gostoso. Fonte: Elaborada pela autora (2025)

Diante disso, é possível perceber que a Mostra Infantil, anteriormente realizada, abria um espaço mais constante para a exibição de animações. Com o fim dessa mostra específica, as animações passaram a ser inseridas nas exibições da Mostra Panorama e da Mostra Competitiva, ao lado de obras em live-action. No entanto, foi apenas na 11ª edição que as animações voltaram a ter destaque, com os curtas Hoje Eu Só Volto Amanhã e A Menina e o Pote. Essa retomada evidencia o potencial das animações para dialogar com outros formatos audiovisuais, afirmando-se como forma de linguagem expressiva. A boa recepção do público também reforça essa força, tendo Hoje Eu Só Volto Amanhã conquistado o prêmio de Melhor Curta-Metragem da 11ª Mostra, tanto pelo Júri Popular, quanto pelo Júri da Imprensa.

As duas animações exibidas em 2024 exploram a diversidade cultural do Brasil, abordando desde elementos cosmológicos e ancestrais até manifestações festivas representativas do cotidiano brasileiro. Ambas se articulam com um dos mais importantes recursos expressivos da atualidade: a animação, que reafirma sua potência narrativa e técnica como meio de contar histórias.

Por Dana Teixeira de Mello
Graduanda no Curso de Comunicação Social – Audiovisual da UFRN e bolsista de Iniciação Científica – CNPQ/UFRN.

Orientadora Theresa Medeiros
Doutora em Comunicação e professora do Departamento de Comunicação Social da UFRN e do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia.

Referências:

OLEGARIO, Aldrey. ‘A Menina e o Pote’ estreia em Cannes com referências à memória ancestral indígena: ‘Apelo para deixar nossos territórios livres’. Marie Claire, São Paulo, 21 mai. 2024. Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com/cultura/noticia/2024/05/a-menina-e-o-pote-estreia-em-cannes-com-referencias-a-memoria-ancestral-indigena-apelo-para-deixar-nossos-territorios-livres.ghtml

HOJE EU SÓ VOLTO AMANHÃ – Financiamento Coletivo, 2021. 1 vídeo (4 min e 57). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1K0EZhVIomQ

O Observatório do Audiovisual Potiguar é um projeto de extensão desenvolvido com o apoio da Pró-reitoria de Extensão (PROEX – UFRN) e da Pró-reitoria de Pesquisa (PROPESQ – UFRN).

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